quarta-feira, 28 de julho de 2010

Capítulo 3 - Culpa

- Renata? É você? Responda, eu sei que você está aí! - Ninguém responde, fico paralisado sentindo um forte arrepio por todo corpo e volto a perguntar. - Renata? É você mesmo? Apareça por favor!



- S... Sim Mattew eu estou aqui...
Dizendo isso, ela aparece diante de mim, suas roupas estavam sujas e maltratadas, a pele estava pálida e totalmente sem vida, a cabeça baixa e os olhos cobertos totalmente pelo cabelo, como se estivesse guardando algum segredo. Aquela imagem me apavora, mas não tenho motivos para sentir medo, afinal eu estava frente- Renata, que lugar é esse? Onde estamos? - Disse isso alterando minha voz para que ela - Mattew, você esta no frio e obscuro mundo das sombras! Onde eu, um espírito errante passará a viver o resto da minha existência.

- Fiquei surpreso com o que ela disse, estaria eu realmente morto?



-Mundo das sombras? Então o fato de eu estar frente a frente com você significa que eu também estou morto e que minha alma foi condenada a apodrecer nesse lugar horrível?



-Sim e não ao mesmo tempo.



- Como assim? - Já não tenho mais paciência para respostas incompletas, ela tem que ser mais direta. – Por que você diz sim e não ao mesmo tempo? Ou eu estou morto, ou vivo! Não é possível um meio termo!



Para dizer a verdade, há sim. Você nesse momento está apenas adormecido, o que permite que seu espírito tenha uma maior liberdade para entrar em contato com o plano espiritual, por isso, agora você está falando comigo, apesar do fato de eu já não pertencer à mesma realidade que a sua.



- Mas se estou apenas sonhando como você diz, o que tem isso haver com a morte? – Por mais absurdo que fosse aquela situação, eu começava a enxergar todas aquelas palavras como verdades palpáveis.



- Caso você não saiba, o sono tem muito haver com a morte, pois esse desligamento do corpo que dá liberdade ao espírito acontece enquanto dormimos é o mesmo que ocorre quando morremos. Só que na morte o corpo se desliga por completo e eternamente, essa é a única diferença.



- Ótimo você me convenceu! – Fico satisfeito com a resposta, embora toda essa história esteja absurdamente fora dos conceitos da normalidade. – Mas quero que saiba que existe um motivo para eu estar aqui, eu desejei isso porque tenho a necessidade de saber o que houve com você, o que te motivou a tirar a própria vida? Eu encararia até mesmo a verdadeira face da morte para descobrir isso.



- Então está perdendo seu tempo. Não vai conseguir respostas comigo.



- Perca de tempo? Como pode estar dizendo isso após eu afirmar que morria para permanecer ao seu lado nesse mundo infeliz!



- Você diz isso porque é um tolo. Fique sabendo que os vivos devem apenas cuidar dos assuntos dos vivos, o que há após a morte fica restrito aos espíritos livres da matéria, por isso deve esquecer toda essa bobagem e levar sua vida adiante.



- O que? - Me descontrolo - A minha melhor amiga comete suicídio sem nenhum motivo aparente e você diz que é bobagem? Como se atreve a dizer algo assim? Desde quando você se tornou essa pessoa tão fria? – Esse comportamento? Essas palavras? O que houve com Renata? Por que ela diz essas coisas tão duras? Como ela pode agir sem demonstrar nenhum tipo de sentimento, o mesmo recíproco a minha dor?



Cale-se de uma vez e vá embora! Eu não preciso de você aqui, não pedi que viesse e mesmo se você soubesse a verdade sobre a minha morte, não faria a menor diferença, afinal você é um inútil que não sabe o que faz!



- Não acredito em suas palavras. Se você é mesmo quem parece ser, você só pode estar mentindo, por algum motivo não pode contar a verdade sobre esse lugar onde vive agora, acredito que tenha feito algo muito ruim para merecer isso, algo de que você se envergonha, um segredo do qual nada foi dito e que você guarda apenas para você, um fardo que só você poderia carregar e preferiu assim fosse para não arriscar a vida ou bem estar de mais ninguém! Eu sei por que é o que a Renata Mayson que conheço faria...



- Já basta! - Interrompe- me, acertando um tapa no meu rosto - Cale-se ao menos por um segundo e coloque na sua cabeça que essa pessoa de quem você fala já não existe mais! Está morta e enterrada! E eu sou apenas o que sobrou das tristes lembranças, da revolta e das decepções. Lamento desiludi-lo, mas essa é a verdade, você vê a vida como um conto de fadas e pensa que o amor que sente é a solução para todos os problemas, mas está muito enganado, tenha ciência de que o fato de seus sentimentos serem verdadeiros não significa que você está isento do sofrimento do mundo, você não merece a felicidade mais do que as outras pessoas, a vida é igual para todos. Pois então pare de se fazer de vitima e encare sua realidade, dê valor a sua vida e vá encontrar um motivo para viver dentro de você mesmo.



- Embora você seja visivelmente idêntica a Renata como diz, seu coração não é igual ao dela, ou seja, você não sabe nada sobre mim, pois ela era a única pessoa nesse mundo que me conhecia por inteiro, por isso, não diga essas coisas como se soubesse algo ao meu respeito.



- Pois então o que você ainda faz aqui? Agora que você já sabe que não sou a pessoa que procurava porque ainda não foi embora?



Agora eu entendo , tudo o que eu vivi e tudo o que foi feito até agora contribuiu para que eu, me permitisse viver a vida sem nenhum motivo verdadeiro, desde pequeno procurei por um verdadeiro significado para a felicidade, desse modo eu sonhei e idealizei um mundo onde eu seria feliz simplesmente por ter amor dentro do meu coração, e enquanto esse amor inflamasse dentro do meu peito nada nesse mundo poderia me derrubar, ainda que duvidassem das minhas capacidades, desdenhassem dos meus sonhos e objetivos eu teria força o suficiente para tudo isso e quebrar os limites que me foram apresentados desde muito tempo atrás. Foi assim que eu encontrei Renata e nela depositei todo o sentido de minha existência e minha felicidade esquecendo-me de todo o resto.

Na escola, minhas notas eram medianas e nunca me esforcei o bastante para realizar nada de inovador, enquanto isso as pessoas ao meu redor iam crescendo e evoluindo. Os meus amigos se foram e eu continuei aqui, mas isso jamais havia me incomodado, pelo menos não até agora. Entretanto nesse momento eu posso ver que apenas amar não basta e eu perdi todo meu tempo mergulhado em ilusões e me escondendo atrás da mascara de alguém que se contentaria com uma vida onde apenas teriam importância apenas as coisas relacionadas comigo e com Renata, mas tudo isso não passa de mentira, nunca foi só isso eu sempre sonhei em ser alguém em que as pessoas depositassem confiança, alguém que geraria sorrisos no rosto de quem mais amo. Porém me deixei-me levar por expectativas e falsas verdades enquanto a vida foi passando, e mal pude perceber que a felicidade que eu vivia era apenas superficial e que meus olhos estavam vendados de modo que não consegui perceber o processo que levou a pessoa que em toda minha vida teve mais valor a morte. Eu ignorei a depressão e as tendências que a levaram a destruição, enquanto isso eu me perdia dentro de mim mesmo e me afogava em um mar de desequilíbrio. Eu estive morto mesmo em vida e por isso, apenas por isso que mereço ouvir os absurdos que esta pessoa que já foi a Renata que eu conheci diz e me conformar pois essa é a verdade.

Talvez a melhor coisa a se fazer agora seja ir embora, mas antes disso:



- Renata! Eu prometo a você que jamais voltará a me ver ! Mas antes disso eu preciso que me diga uma coisa!



- O quê?



- Eu sei que este mundo não é uma propriedade nem do inferno e tão pouco do céu, e sei também que está alheio a vida que nós humanos levamos na Terra! Portanto eu gostaria de saber quem o criou? Com que finalidade, e por que tantas almas como a sua são trazidas a esta realidade tão cruel ?



- certas coisas que não devem ser explicadas! E que simplesmente são o que devem ser, sem haver a necessidade de um quê ou porquê ! Desista dessa ideia, não perca mais o seu tempo nem o meu fazendo questão desnecessárias. A relação entre nossa vidas terminou no dia em que eu morri. Não lhe interessa o que me acontece após esse fato imutável.



- Renata ao menos responda-me isso! Preciso ter um esclarecimento, ao menos uma explicação para tudo o que houve até agora. Toda a minha vida tem sido uma existência sem propósito, eu já me sacrifiquei demasiadamente para chegar até aqui então eu peço que pela amizade que tivemos em vida faça valer a minha vinda a esse lugar e conte-me o que houve com você.



- Você é muito teimoso mesmo! Se é o você quer saber eu vou contar-lhe todo a verdade! Mattew você nunca conseguiu enxergar aquilo que sempre esteve diante de seus olhos, sempre ignorou tudo o que era real e preferiu viver encasulado dentro de um mundo fantástico onde as coisas todas pareciam ser manipuladas de acordo com o seu pensamento e sua imaginação. Enquanto isso eu sua melhor e única amiga de verdade levava uma vida ordinária na qual tudo sempre foi coberto pelas sombras do pessimismo e desconfiança.

Desde que minha mãe casou-se com aquele homem terrível (Phillip), quando ainda tinha 11 anos de idade, minha vida tornou-se um inferno, foi difícil entender que a porta do quarto deveria manter-se fechada o tempo todo enquanto aquele desgraçado estivesse em casa, ele ficava me espionando e tentou por diversas vezes arrombar a porta para me molestar diariamente e ao mesmo tempo minha mãe estava cada vez mais enfeitiçada por ele a ponto de não conseguir enxergar o que estava acontecendo diante de seus olhos e dentro de sua própria casa. A presença e o dinheiro de Phillip corromperam o seu coração e por minha desgraça passei a viver sob a necessidade do uso de substâncias químicas para dormir e esquecer as dificuldades da vida, anti-depressivos entre outras drogas.

De certa forma você nunca conheceu o meu verdadeiro eu.



- Não pode me culpar por isso! Você é que nunca foi capaz de ser sincera comigo e dizer que tipo de vida você levava! Mas creio que já seja tarde demais para se ficar dizendo verdades indesejáveis um para o outro! - Essas verdades são tudo o que eu não queria ouvir embora minha intuição soubesse que ela sempre esteve a mercer destas tendências de jovem alcoolatra suicida, eu jamais imaginei que isso se concretizaria de maneira tão difícil de se aceitar. Agora já não adianta mais lamentações o que foi feito é fato não há mais o que se possa fazer a respeito eu tive que sofrer para perceber que a pessoa que mais amei na vida simplesmente nunca existiu e que eu se tivesse sido um pouco menos ingênuo as coisas poderiam ter sido diferentes. Eu sempre me isentei de preocupações e depositava no mundo a razão de todos os meus problemas. Mas agora eu me permito sentir uma coisa que nunca soube o significado...culpa...

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