sexta-feira, 9 de julho de 2010

Capitulo 2 - Promessa

Embora minha vontade de ver Renata me motivasse a seguir meu caminho para casa, não podia deixar de notar que algo estranho estava acontecendo, pois a floresta parecia um pouco diferente, as folhas das árvores pareciam mais escuras, a trilha parecia ter mudado também, não era como se eu estivesse andando em círculos, mas sim como se eu estivesse "entrando novamente na floresta", estava ficando confuso, mas eu precisava manter meu foco nos caminhos em que eu tomava para ter em mente se já havia passado por um deles ou não, a única coisa que me motivara a continuar em frente era ver Renata novamente.

" Será que o mito de que poucos conseguem sair vivos desse lugar estaria se tornando verdadeiro?"


Mesmo sabendo que não poderia pensar dessa forma, o desespero começou a tomar conta de mim, nada do que a velha feiticeira disse parecia fazer sentido, mas eu não podia ficar parado no meio da floresta esperando ser encontrado e levado para fora, pois a escolha que eu fiz foi a de nunca mais depender de alguém. Eu tive a opção de vir aqui e arriscar minha vida por um sonho absurdo, mesmo sentindo que desde o encontro com aquele bêbado na praça até as ultimas palavras com a velha possa ter sido tudo parte de um jogo da vida onde eu sou simplesmente uma peça manipulada pelos outros, ultimamente não tenho o controle da situação, a saída é confiar no meu coração e não na minha razão. Afinal os últimos acontecimentos não tem sido lógicos,
pois se não for mesmo verdade o que a velha disse ela não perderia tempo me dando esse lápis e essa adaga, mesmo que não tenham nenhum valor espiritual, não é de se negar que seriam de alto valor material aos olhos de qualquer leigo.
Muitos no meu lugar estariam apavorados nessa situação, mas existe algo em mim que me impede de sentir as coisas da vida da mesma maneira que as outras pessoas,parte de mim não importa se algo ruim vai acontecer comigo ou não, se eu morresse agora o meu único arrependimento seria o de não ter conseguido um ultimo contato com Renata, de não conseguir mostrar os meus sentimentos por ela. Até dias atrás era isso que me motivava a continuar lutando por uma vida melhor, mas agora nada disso faz sentido, me considero um ser humano que retornou a estaca zero, tudo que me resta é seguir daqui pra frente, confiando apenas no que disse uma senhora desconhecida, mesmo que isso esteja fora dos meus princípios.

Enquanto caminhava mata adentro, ouvia o barulho dos carros e via parcialmente a luz dos postes da cidade, isso obviamente indicava que eu estava no caminho certo e que os próximos passos que darei serão os últimos nesse lugar. Finalmente avistava a estrada para fora da floresta, estava eufórico o que fez com que eu não me desse conta de ainda havia um longo caminho pela frente até chegar em casa. Essa cidade e essas ruas, contaminadas pela escuridão e frieza do mundo. New Silvertown a muito tempo deixou de ser um lugar de paz, para tornar-se um abrigo de desesperados como eu, de pessoas que procuram um esconderijo para os seus medos, um lar de ladrões, mendigos, viciados, bêbados e prostitutas. Ainda sim consigo me sentir menor do que todos estes que mencionei, pelo menos eles sabem seus devidos lugares nesse mundo, diferente de mim que não via sentido nenhum para minhas ações até o momento presente, mas pela primeira vez na vida começo a enxergar que dependente dos meus passos seguintes este lugar que eu procuro desde pequeno esteja se aproximando, conforme eu vou desenhando o percurso da minha vida. Mas de uma coisa eu posso ter certeza, não é vagando por essas ruas vazias e frias cheias de sofrimento que eu vou encontrar o sentido da vida.
Eu já tive sonhos em que eu descansava debaixo de uma árvore de frutas e flores vermelhas, com gramado e uma casa humilde feita de madeira esse seria o lugar que eu tanto procuro mas algo me diz que isso não passa de sonho de criança que nunca se realizará...Hump..."No que estou pensando?" Esse tipo de reflexão fez com que o caminho passasse mais rápido mal pude perceber que já estava chegando em casa.

Chegando no meu "doce lar", senti que nada podia me atingir, se eu fosse assaltado ou mesmo ferido, nem iria me dar conta disso, eu agora tenho um objetivo e seja o que for, as únicas coisas que me vem em mente são as lembranças de Renata.

Trancado em meu quarto, com o lápis e a adaga em cima da escrivaninha, que no momento mais parecia um altar iluminado a luz de velas, pois estava praticamente sem dinheiro para pagar as contas e estava economizando, essas luzes não agridem meus olhos, mas poderia dificultar a visão que eu tinha dos traços que irei desenhar.

Nunca havia me dado ao direito de desenhar Renata, o fato de ser apaixonado por ela me impedia de fazer isso, pois se eu fizesse estaria usando meu dom de forma errada, traindo os meus conceitos, a arte é sempre uma prova de amor, seja essa prova para você mesmo, ou para uma outra pessoa, mas nunca uma maneira tola de se deslumbrar e iludir as pessoas, meu amor por ela era puro e limpo desse tipo de pensamento, talvez eu finalmente entenda como Deus age de maneira engraçada, agora que minha amada está morta, eu tenho um verdadeiro motivo para desenha-la, e já estava mais do que na hora de começar!

Os sentimentos começam a se misturar dentro do meu coração, sinto ódio do mundo e suas injustiças. Por que Deus escolheu tirar a vida de alguém como Renata se existem tantas almas errantes que mereceriam a morte mais do que ela? Com o lápis em minhas mãos os olhos fechados e como de costume as mangas do casaco levantadas eu inicio uma oração, mesmo que eu não seja uma pessoa religiosa, neste momento acredito que se existe um ser divino que pode me ajudar é nele em quem devo confiar:

"Oh Senhor, meu pai eterno, peço para que tenha piedade da alma de Renata Mayson e que a proteja onde quer que ela esteja... Peço também que me perdoe por agir contra suas decisões, compreenderei perfeitamente se for castigado por minhas ações, entretanto suplico que entenda que se faço isso é porque a amo mais do que a mim mesmo e porque não faz sentido a minha existência em um mundo onde Renata não exista, contudo se seu desejo for a minha destruição, que seja feita a vossa vontade, esse é o caminho que eu escolho a partir de agora...Em nome de pai, do filho e do espírito santo, amém..."

Após terminar a oração, ainda com o lápis em minhas mãos começo a sentir um terrível calafrio em todo o corpo minhas mãos começam a tremer e sinto como se nada mais existisse ao meu redor uma sensação totalmente diferente de qualquer coisa que já senti na vida toma conta do meu espírito, um poder invade o meu ser, como se algo que estivesse guardado a muito tempo dentro de mim tivesse despertado e adquirido sua liberdade, uma energia que me dava vontade de me levantar e desafogar todas as mágoas sufocadas no meu peito, imediatamente a imagem de Renata vem em minha mente, meu corpo começa a tremer, sentia os ossos da espinha congelar, o suor frio escorria em minha testa, e ainda com os olhos fechados, senti como se algo tivesse tocado meu ombro, abri os olhos assustado, e avistei uma mariposa negra, foi quando um peso enorme invadiu meu corpo nesse instante, foi quando olhei para o lápis e percebi que suas escrituras estavam reluzindo, meu braço queimava, estava sendo tomado por uma espécie de "fogo negro". A mariposa começa a voar em minha volta, é quando sem nem mesmo perceber, começo a deslizar o lápis sobre o papel , eu fazia tudo com uma delicadeza jamais usada e ao mesmo tempo, mal percebia o que estava fazendo, traço por traço, hachura por hachura, linha após linha, cada detalhe do rosto de Renata foi reproduzido com perfeição, como nunca havia feito antes, o lápis estava frio a ponto de eu não aguentar mais segura-lo, meus dedos tremiam, e eu começo a sentir vontade de solta-lo, mas essa vontade não vem apenas de mim, senti como se ele tivesse vontade própria e "desejasse" que eu o soltasse, foi quando o lápis caiu de minha mão, se alguém estivesse comigo naquele momento iria dizer que eu o deixei cair, só que na verdade, pode parecer loucura, mas o lápis "soltou-se sozinho" e então senti meu corpo mais leve.

Quando pude notar, o desenho estava pronto, tão perfeito que parecia ter vida! Entretanto, o desenho que fiz dos olhos de Renata estava um pouco estranho, parecia que algo ruim havia acontecido, por um instante, o silêncio tomou conta do ambiente, senti meu coração bater mais forte eo relógio que marcava 23:59 fazia o clima apenas piorar, quando de repente, todas as velas se apagam, restando apenas uma acesa, o que faz o ambiente ficar um pouco mais escuro, entretanto não sentia medo, muito pelo contrario sentia conforto inacreditável era como se aquela escuridão fizesse parte da minha personalidade "oras mas no que estou pensando?", eu estou usando este lápis unicamente para entrar em contato com Renata, não é à toa que a velha me pediu cautela ao usá-lo, eu sinto o seu poder mas não posso permitir que tome o controle. É quando começo a ouvir um som esquisito, como o bater de asas de mariposa, porém dessa vez, não é apenas uma, mas sim várias, e elas também estavam rodeando meu quarto numa velocidade impressionante formando assim uma corrente de ar que pouco a pouco começa a congelar meu corpo, foi então que uma delas pousou em minha mão direita, era estranho, mas eu sentia um peso enorme nessa mão, como se ela carregasse todo o sofrimento e angustia que eu estava sentindo. Agora tudo parece estar em camera lenta, posso ouvir meus batimentos cardíacos e sinto uma grande pressão em toda minha circulação sanguínea, perco meus movimentos e pouco a pouco vou perdendo a consciêcia, já não consigo diferir o que é real ou não.

Passam-se alguns segundos e nada acontece, sinto apenas uma dor insuportável na cabeça, percebo que a ultima vela se apaga e o local fica coberto por uma escuridão total que não permite que eu enxergue mais nada, logo sinto que não é apenas isso, há algo estranho na atmosfera, já não sinto mais frio, mas existe um vazio enlouquecedor no meu coração, já não me sinto mais em casa, o clima é diferente, o cheiro é estranho eu devo estar sonhando ou eu estou em outra dimensão onde tudo é triste e obscuro."Preciso sair daqui, o que isso significa? Onde eu estou? O que será isso?", senti um toque suave em meu rosto, era um toque feminino e vinha de trás de mim, já não tinha mais duvidas, era Renata. Virei em direção a ela rapidamente, mas embora tivesse sentido sua mão, eu não podia ver ou nem mesmo sentir sua presença, é como se somente uma parte dela estivesse comigo. É quando ouço apenas sua voz suave e delicada ao dizer:

- Matt, a resposta para estas suas pequenas questões é ...A morte!!!


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